O Congresso de Milão
Autor: Almir Cristiano | Publicado: 17/05/17 | Atualizado: 19/03/20 | Acessos: 198299
O Segundo Congresso Internacional de Educação dos Surdos (ou Congresso de Milão) teve lugar em Milão, na Itália, em setembro de 1880, e o impacto das decisões ali tomadas pode ser sentido até hoje.
O que foi o Congresso de Milão?
Apesar do nome, o Congresso de Milão foi na verdade a primeira conferência internacional de educadores de surdos. Mais de 160 educadores e especialistas reuniram-se entre 6 e 11 de setembro de 1880 para discutir os rumos da educação das pessoas surdas. Esse grupo de pessoas era na maioria ouvinte. Era uma época onde acreditava-se na superioridade da língua falada, considerando as línguas gestuais um retrocesso na evolução da linguagem.
Durante o congresso foram ouvidos doze especialistas no assunto. Apenas três se manifestaram a favor do uso das línguas gestuais como a melhor forma de educar e inserir as pessoas surdas na sociedade: Edward Gallaudet (fundador da Gallaudet University), Thomas Gallaudet e Richard Elliot (um professor inglês).
Quem organizou o Congresso de Milão?
O Congresso foi organizado pela Pereira Society, um grupo de pessoas contra o uso das línguas de sinais. A organização foi fundada na França por Jacob Rodrigues Pereira e era uma forte apoiadora do oralismo. A organização do Congresso de Milão foi uma clara intenção de assegurar a hegemonia do oralismo. A seleção dos participantes do Congresso foi extremamente cuidadosa para garantir que a maioria das pessoas ali presentes fossem a favor do oralismo e reagissem negativamente aos discursos a favor das línguas gestuais.
Quais foram as resoluções do Congresso de Milão?
O resultado do Congresso foram oito resoluções que garantiam a hegemonia do oralismo:
- A primeira resolução atestava a superioridade da articulação, declarando ser esta a melhor forma de reinserção das pessoas surdas à sociedade e ser o método oral o melhor na educação de pessoas surdas.
- A segunda resolução considera que o uso simultâneo dos gestos e da oralidade prejudica a leitura labial e a articulação das pessoas surdas, declarando que um método puramente oral deveria ser adotado.
- A terceira resolução leva em consideração o enorme número de pessoas surdas nãos instruídas e que nem sempre as famílias e instituições eram capazes de suprir essa necessidade, estabelecendo então que é dever do governo assegurar que essas pessoas sejam educadas. A resolução foi aprovada por unanimidade.
- A quarta resolução, considerando um método de ensino puramente oral, define que a melhor maneira de ensinar as pessoas surdas seria através de um método intuitivo usando a associação da fala com palavras escritas, e expondo as crianças desde cedo a livros e à gramatica da língua escrita.
- A quinta resolução leva em consideração a falta de livros didáticos suficientes para esses propósitos, declarando então que é dever dos professores do sistema oral desenvolver e publicar os materiais necessários.
- A sexta resolução baseia-se nos resultados de estudos com pessoas surdas que já não estavam mais na escola, e declara que essas pessoas não perderam suas habilidades de fala e leitura labial, mas sim as aprimoraram através da prática e leitura. Sendo assim fica estabelecido que pessoas surdas devem comunicar-se usando apenas a fala.
- A sétima resolução leva em consideração as necessidades especiais do ensino de pessoas surdas, e recomenda a idade dos oito a dez anos como a melhor época para que as crianças surdas comecem sua vida escolar. Estabelece também que a educação dessas crianças deve durar de sete a oito anos, e que as classes devem ter até dez alunos.
- A oitava resolução estabelece uma mudança gradual no método de ensino de instituições que faziam uso da língua de sinais, eliminando pouco a pouco o ensino por meio das línguas de sinais e implementando o método oral.
Impacto do Congresso de Milão na educação dos surdos
Os impactos do Congresso de Milão foram terríveis na comunidade surda em todo o mundo. Estima-se que já na primeira década após o Congresso de Milão o ensino das línguas de sinais já estava quase completamente erradicado das escolas. Privadas das línguas de sinais, crianças surdas no mundo inteiro deixavam as escolas com qualificações e comunicação inferiores.
Apenas 100 anos depois iniciou-se o árduo processo de rejeição das resoluções do Congresso de Milão e a reestruturação da educação das pessoas surdas. Somente em julho de 2010, no 21º Congresso Internacional de Educação de Surdos (sediado em Vancouver, Canadá) houve uma votação formal e todas as oito resoluções do Congresso de Milão foram rejeitadas.
Pintura de Nancy Rourke chamada "Milão 1880 em cima da mesa" - esta pintura é sobre o Congresso Internacional sobre Educação de Surdos, realizado em Milão, Itália, no ano de 1880, quando a língua de sinais foi proclamada proibida e o oralismo se tornou a lei nas escolas de surdos. As mãos representam os seis americanos que compareceram ao Congresso. São James Denison, Edward Miner Gallaudet, Thomas Gallaudet Jr., Isaac Lewis Peet e Charles Stoddard. Fonte: nancyrourke.com
História em Quadrinhos "O congresso de Milão"
Essa HQ bilíngue para surdos retrata a opressão sofrida mundialmente pela comunidade surda desde que o "Congresso de Milão" (1880-1980) proibiu as línguas de sinais. O personagem Marcelo, surdo sinalizante de língua brasileira de sinais (libras), demonstra, na atualidade, que a forma de conceber o mundo está nos olhos de quem vê e evidencia a dificuldade de comunicação pela modalidade oral (línguas dominantes). No entanto, encontra em um shopping uma colega ouvinte que se comunica em libras e o direciona para uma palestra que irá contar sobre esse período de opressão. O personagem adentra a época narrada e perpassa as principais épocas históricas até retornar aos tempos atuais, finalizando com o destaque e a importância de se comunicar pela língua de sinais, visto que é por meio dela que a comunidade surda tem o conhecimento em suas mãos."
Autores: Profa. Dra. Kelly Priscilla Lóddo Cezar e Luiz Gustavo Paulino de Almeida.
Referências:
UFSC. Historicismo: o Conflito no Congresso de Milão 1880. Disponível em: <http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/scos/cap14131/1.html>. Acesso em: 27 Dez. 2019
PHAFFALIBRAS.BLOGSPOT.COM. Congresso de Milão. Disponível em: <http://phaffalibras.blogspot.com/2012/06/congresso-de-milao.html>. Acesso em: 27 Dez. 2019
HUGO EIJI. Congresso de Milão. Disponível em: <https://culturasurda.net/congresso-de-milao/>. Acesso em: 27 Dez. 2019.
JAMIE BERKE. The Milan Conference of 1880: When Sign Language Was Almost Destroyed. Disponível em: <https://www.verywellhealth.com/deaf-history-milan-1880-1046547>. Acesso em: 27 Dez. 2019.
LEANDRO AUGUSTO. O Congresso de Milão - 1880. Disponível em: <https://prezi.com/pjsuhr_dhsac/o-congresso-de-milao-1880/>. Acesso em: 27 Dez. 2019.
NANCY ROURKE. Milan 1880 on the Table. Disponível em: <http://www.nancyrourke.com/milan1880onthetable.htm>. Acesso em: 17 Jan. 2020.
Autor: Almir Cristiano | Publicado: 17/05/17 | Atualizado: 19/03/20 | Acessos: 198299
© Direitos reservados. Para a reprodução de trechos de texto e/ou imagens é necessário citar o nome do autor, a página https://www.libras.com.br/congresso-de-milao e a data de acesso.